16 de outubro de 2011

‘.. E a cada sorriso que ele me entregava de coração, perfeitos dentes brancos aperfeiçoados por computador, era aquele mesmo sorriso da Colgate. Aquele que o comercial me fez convencer ser o único verdadeiro. E eu não mais sabia reconhecer o cheiro do meu amado, pois seu cheiro se confundia com dúzias de outros homens: Perfume. O perfume que não pertencia a ele, mas sim a Calvin Klein, e o meu amado cheira a propaganda, a revista importada, a celebridades americanas, a modelos virtuais. Seu Sorriso não é mais seu, ele se confunde com os milhares de consumidores com tubos de colgate expremidos no armário do banheiro. E os preciosos segundos antes do beijo, quando nossos lábios quase se tocam em êxtase, não mais pertence a mim, mas ao fale de perto com Close-up, sua face recém-barbeada não mais me traz à cabeça prazerosas memórias dos primeiros momentos de se apaixonar loucamente, como se não houvesse amanhã. Não, sua face me lembra o comercial da Gillete e da nova loção após barba que passa na TV, e por um momento minha mente se confunde e uma grande névoa, quem é o meu amado?.. Fui roubado da única coisa que tinha certeza de que ninguém jamais poderia tocar; nossos pequenos segredos, as pequenas coisas do nosso romance que só nós dos sabíamos, era justamente isso o que nos fazia tão únicos, Fui roubados da minha individualidade; colocaram uma marca em meu amor, e ainda por cima e, oferta. Colgate, Calvin Klein, Johnson & Johnson. Uma dúzia de marcas para escolher, 7 bilhões de pessoas no mundo. E as lembranças da minha infância não mais são de paisagens de tirar o fôlego, caldos em praias distantes, um balanço de pneu naquela árvore, a sensação de viver livre enquanto o tempo passava vagarosamente, e cada dia era único, sem nenhum tempo morto. Não, minhas memórias de infância agora são do tênis do Rambo, da mochila do Thundercats, caderno do Jaspion. Sonhos de consumo que foram e vieram, e foram substituídos por outros, e outros ainda virão..
Outro dia tive a impressão de sentir meu amado passar, mas me enganei. Era apenas um estranho que comprava o mesmo perfume, que gastava todo o seu salário em tentativas inúteis de perecer melhor. E este estranho também comprava outros perfumes, para que possa escolher com qual meio milhão de pessoas ele quer se parecer naquele dia. Acho que isso que eles queriam dizer com liberdade de escolha. Porque eu agora posso escolher entre diferentes marcas de uma bebida constituída de água gasosa e um estranho xarope preto, mas não mais posso sentir o cheio do corpo do meu amado sem pensar e, TV, comercial, perfume, loção, Gillete, Colgate, Close-up, Palmolive, comprar, comprar, preciso comprar.. E eu esqueci como é o cheiro do corpo humano, pois disseram às meninas pra depilar a perna, a linha do biquíni, debaixo do braço, disseram a todos nós que seremos mais agradáveis e populares se usarmos perfume, Mas se esqueceram de dizer que seremos mais padronizados também. Um carro novo vai me dar independência. Um maço de cigarros, popularidade. Maquiagem e roupas novas, beleza. Um buque de flores vai fazer meu amante me perdoar. Cheiro agradável = loção após barba. Sede = Coca-Cola. Fome = Elma Chips, restaurante caro. Amor = ... o que o comercial disse mesmo?’

O Idealista

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